Os Estados Unidos vivem um embate intenso sobre quem deve mandar na regulamentação da inteligência artificial: o governo federal ou os estados.

Enquanto a IA avança em um ritmo vertiginoso, Washington tenta estabelecer regras nacionais, mas encontra resistência de governos estaduais que já criaram suas próprias leis com foco na proteção dos consumidores. A disputa expõe um cenário de conflito regulatório em plena expansão.

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### Big techs se rebelam contra leis descentralizadas

A ausência de uma estrutura federal robusta abriu espaço para que estados como Califórnia e Texas formulassem suas próprias normas sobre IA, priorizando segurança, transparência e prevenção de abusos. Esse movimento, porém, tem desagradado as grandes empresas de tecnologia, sobretudo no Vale do Silício.

Para essas companhias, o resultado é um mosaico regulatório complexo, em que cada estado passa a ter exigências diferentes — algo visto como um pesadelo operacional e jurídico, especialmente para startups e negócios em rápido crescimento.

Setores da indústria argumentam que essa fragmentação pode desacelerar a inovação e comprometer a competitividade global das empresas americanas. A queixa principal é que muitas leis são elaboradas por agentes públicos sem conhecimento técnico aprofundado sobre IA.

Como destacou Josh Vlasto, cofundador do super PAC pró-IA Leading the Future, em entrevista ao TechCrunch, quando o objetivo é impulsionar inovação tecnológica, torna-se problemático lidar com um fluxo constante de leis criadas por pessoas que não necessariamente dominam a complexidade da tecnologia.

Enquanto isso, o Congresso segue em ritmo lento na definição de normas claras para IA, o que fortalece a iniciativa dos estados e aumenta o incômodo das gigantes do setor.

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### Washington reage: NDAA e ordem executiva em preparação

Nos últimos dias, o governo federal intensificou a ofensiva para retomar o protagonismo na regulação da inteligência artificial. Uma das frentes é a tentativa de inserir, na Lei de Autorização de Defesa Nacional (NDAA), um dispositivo que restringiria a liberdade dos estados de criar suas próprias regras em determinadas áreas sensíveis, como segurança infantil e transparência.

Paralelamente, um rascunho vazado de uma ordem executiva da Casa Branca aponta para a criação de uma “Força-Tarefa de Litígios de IA”. A missão desse grupo seria justamente contestar, na Justiça, leis estaduais consideradas conflitantes com os interesses e diretrizes federais.

O documento também sugeriria que órgãos como a FTC (Federal Trade Commission) e a FCC (Federal Communications Commission) definam padrões nacionais capazes de se sobrepor às normas locais, consolidando um arcabouço regulatório mais centralizado.

Outro ponto polêmico do rascunho é o destaque dado a David Sacks, apontado como uma espécie de “czar” de IA e criptomoedas ligado a Donald Trump. Ele teria papel relevante na formulação da estratégia federal, o que adiciona uma camada política à disputa.

Sacks já se posicionou diversas vezes a favor do bloqueio de regulações estaduais, defendendo que o governo federal adote apenas uma supervisão mínima e deixe o restante para a autorregulação das empresas, com o argumento de que isso é fundamental para “maximizar o crescimento”.

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### Estados aceleram e defendem independência regulatória

Na outra ponta desse embate, mais de 200 parlamentares assinaram uma carta defendendo que os estados continuem com autonomia para responder de forma ágil aos riscos e desafios trazidos pela IA.

Em 2025, 38 estados aprovaram mais de 100 leis relacionadas ao tema, muitas delas tratando de deepfakes, uso de IA por órgãos públicos e exigências de transparência na utilização da tecnologia. Esse volume de iniciativas contrasta com o andamento lento do Congresso e mostra como as assembleias estaduais têm preenchido o vácuo regulatório.

Esse cenário pode resultar em:

- Aumento de burocracia e custos para a implementação e operação de modelos de IA em múltiplos estados.

- Criação de Super PACs dedicados a financiar campanhas contra legislações estaduais consideradas excessivas.

- Maior exposição dos consumidores em locais onde as regras forem frágeis ou inexistentes.

- Influência direta do modelo regulatório adotado nos EUA sobre políticas de IA em outros países, dada a relevância do mercado americano.

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### Em busca de um meio-termo

Alguns nomes em Washington tentam construir uma solução intermediária. Um deles é o deputado democrata Ted Lieu, da Califórnia, que prepara um pacote federal mais amplo para regulamentar a inteligência artificial.

A proposta abrangeria temas como fraude, proteção infantil, deepfakes e obrigatoriedade de testes para grandes modelos de IA. Lieu admite que o projeto não será o mais rígido possível, mas ressalta que a prioridade é aprovar alguma forma de regulação ainda neste mandato, antes que o cenário se torne ainda mais caótico, com estados avançando em direções diferentes e o governo federal perdendo de vez a capacidade de coordenar o tema em nível nacional.